Estudo publicado este mês na revista Doenças Infecciosas Emergentes mostra que os vírus mayaro e chikungunya Circulando ao mesmo tempo (cocirculação) no Estado amazônico de Roraima. Segundo os autores, o achado reforça a necessidade de ações mais eficazes de vigilância epidemiológica na região.
A descoberta contrariou a expectativa dos pesquisadores. A hipótese inicial era que os locais onde a taxa de infecção por um dos patógenos fossem altamente refratários à circulação de outro vírus, contatam José Luiz Proença-Modenaprofessor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e um dos autores principais do artigo.
“Como mayaro e chikungunya têm alto grau de compartilhamento antigênico, era esperado que uma infecção protegesse o indivíduo do outro. Ou seja, a crença era de que as anticorpos específicos e os linfócitos T (células do sistema imune) foram produzidos como resposta à infecção por um dos vírus que necessitam de capacidade de consideração ou outro. Entretanto, ao contrário disso, detectamos mayaro e chikungunya nas mesmas regiões”, diz. Ele ressalta, contudo, que não foram identificados casos de indivíduos infectados simultaneamente por dois patógenos.
Na avaliação dos autores, a cocirculação esses arbovírus indicam a necessidade de implementação de métodos moleculares para o diagnóstico preciso (exames do tipo RT-PCR, que detectam o material genético presente em amostras biológicas). “São doenças que clinicamente se confundem, pois causam sintomas semelhantes, como febre alta, dores articulares e cansaço”, pontua Júlia Foratoex-bolsista da FAPESP e autor do estudo.
Como explica a pesquisadora, o vírus mayaro é transmitido por um mosquito silvestre (Haemagogus janthinomys) – o mesmo vetor da febre amarela. Mas o desmatamento causado pela exploração ilegal de recursos naturais, sobretudo o garimpo, pode fazer com que a transmissão do mayaro passe a ocorrer em ambientes urbanos.
Segundo Forato, pessoas que trabalham em ambientes florestais – na mineração, exploração madeireira ou pesca, por exemplo – poderiam atuar como ponte, facilitando a eventual introdução e o estabelecimento da transmissão do mayaro em ambientes urbanos. No estudo, 11% das amostras infectadas por esse vírus eram de pescadores.
“Só com a implementação de vigilância molecular e genômica aumentada, tanto em humanos quanto nos mosquitos vetores, será possível monitorar o potencial estabelecimento do mayaro num ciclo de transmissão amplificado pelos humanos. Precisamos de uma vigilância robusta, não apenas para identificar o quanto a atividade humana em áreas de floresta pode impactar a dinâmica da circulação do vírus, mas também para prever possíveis novos surtos. Todas essas doenças são muito incapacitantes, geram prejuízos financeiros e sociais aos pacientes, além de onerar em demasia o sistema de saúde para atendimento desses pacientes”, sublinha Proença-Modena.
Amazônia+10
O projeto que deu origem ao artigo em pauta de busca avalia como a atividade humana em áreas de floresta impacta a dinâmica de circulação viral. A equipe se propôs a investigar essa relação em três pontos focais: na reocupação da BR-319 (Rodovia Manaus-Porto Velho, que está sendo recuperada), em uma área de mineração no Estado do Pará e no Estado de Roraima, que registra alta população de migrantes e onde há forte presença de garimpo em áreas de mata próximas às cidades.
A empreitada envolve, além da Unicamp, grupos da Universidade Federal de Roraima (UFRR), do Laboratório Central de Saúde Pública de Roraima, da Universidade de São Paulo (USP), da Fiocruz Amazônia, do Imperial College de Londres (Reino Unido) e da Universidade de Kentucky (Estados Unidos). E recebe apoio da FAPESP por meio de três projetos (22/10442-0, 17/22062-9 e 16/00194-8).
O trabalho integra a Iniciativa Amazônia+10que reúne diversas agências de fomento do Brasil e do exterior, entre elas a FAPESP, no apoio à pesquisa e à inovação tecnológica na Amazônia Legal, promovendo a interação natureza-sociedade e o desenvolvimento sustentável e inclusivo da região.
“Este é o primeiro trabalho realizado no projeto, com o objetivo de entender quais vírus estavam circulando em Roraima. A partir da análise de amostras coletadas entre dezembro de 2018 e dezembro de 2021 – durante surtos de dengue e chikungunya em Roraima – montamos um panorama de quais arbovírus circulavam por lá”, informa Proença-Modena.
Das 822 amostras de sangue coletadas de pacientes atendidos em postos de saúde e que apresentaram doença febril aguda (febre alta associada a calafrios, cefaleia, dores musculares ou tosse geralmente relacionadas a um agente infeccioso), 190 (23,1%) testaram positivo para algum arbovírus (vírus transmitidos por vetores invertebrados, principalmente mosquitos).
Os pesquisadores extraíram o RNA de todas as amostras de sangue e, por meio de testículos moleculares do tipo rRT-PCR, detectaram dengue em 146 delas (17,8%), talvez em 28 (3,4%) e chikungunya em 16 (2%). Além desses patógenos, também foram procurados (mas não encontrados) os vírus zica e oropouche.
“Além de identificarmos a cocirculação de mayaro e chikungunya e uma frequência muito alta de dengue (inclusive coinfecção de dengue 1 e dengue 2), notamos que, na maioria dos casos (76,9%), não se sabe qual vírus está causando a infecção. Portanto, é provável que tenha algo novo por aí”, alerta Proença-Modena à Agência FAPESP.
O artigo Epidemiologia molecular do vírus Mayaro entre pacientes febris, estado de Roraima, Brasil, 2018–2021 pode ser lido em: wwwnc.cdc.gov/eid/article/30/5/23-1406_article.htm.
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