Uma pesquisa inédita, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), avaliou o impacto total da epidemia de tuberculose na população privada de liberdade. Segundo a análise, o encarceramento é o principal fator de risco de doença na região.
Ó estudo foi feito em parceria com instituições da Argentina, Brasil, Colômbia, Peru e Estados Unidos e foi publicado terça-feira (15) na revista científica The Lancet Public Health. Os dados foram encontrados entre 1990 e 2023 nos países participantes da pesquisa, com o objetivo de entender o impacto do aumento nas prisões sobre a saúde pública.
Para isso, o estudo utilizou modelos sonoros de transmissão, ajustados aos dados históricos e contemporâneos sobre privação de liberdade e tuberculose nos países investidos. A análise também utilizou a projeção do impacto de vários cenários de encarceramento na incidência futura de tuberculose na população em geral.
Uma pesquisa relatou que o aumento da privação de liberdade desde 1990 revelou um número estimado de 34.393 casos extraordinários de incidentes de tuberculose em 2019 em países analisados. Naquele ano, 27,2% dos novos casos foram relacionados ao encarceramento, mais do que uma porcentagem atribuível a qualquer outro fator de risco, incluindo HIV e desnutrição.
Além disso, uma análise concluiu que, em comparação com o cenário atual das políticas de privação de liberdade, as intervenções nessa área poderiam reduzir em mais de 10% a incidência futura da tuberculose na população geral do Brasil, na Colômbia, na Argentina, em El Salvador e no Peru.
A tuberculose é 26 vezes mais comum em pessoas encarceradas
Na América Latina, uma população em privação de liberdade quase quadruplicou nos últimos 30 anos. Em relação à tuberculose, 10,6 milhões de pessoas desenvolveram a doença em 2022. Embora a incidência global da tuberculose tenha diminuído 8,7% desde 2015, na América Latina a ocorrência de casos de tuberculose aumentou 19% no mesmo período.
Pessoas privadas de liberdade, que já podem ter risco elevado de tuberculose antes do encarceramento, estão ainda mais expostas às condições prisionais que promovem a transmissão e a progressão da doença, como superlotação, ventilação precária, desnutrição e acesso limitado a cuidados de saúde.
Juntos, esses fatores importantes para que as taxas de tuberculose sejam 26 vezes maiores entre pessoas privadas de liberdade faz isso na população em geral da América do Sul.
Menos pessoas privadas de liberdade significariam menos tuberculose até 2034
Para o controle da tuberculose na América Latina, os pesquisadores do presente estudo defendem que as agências internacionais de saúde, os ministérios da justiça e os programas nacionais de tuberculose devem colaborar para enfrentar a crise sanitária com estratégias abrangentes que incluem o desencarceramento.
O estudo também projetou que poderia acontecer até 2034 em três cenários diferentes, em que as taxas de privação de liberdade diminuíssem de maneira controlada. No primeiro, o número de pessoas em privação de liberdade e o tempo que elas ficaram encarceradas permaneceram constantes.
No segundo cenário, as taxas de entrada nas prisões e o tempo de privação de liberdade continuariam aumentando, como tem acontecido nos últimos 10 anos. No terceiro, o número de pessoas que entraram e o tempo que ficam presas seria reduzidas em 25% ou 50%, o que, de acordo com o estudo, poderia diminuir os casos de tuberculose no futuro.
Essas simulações mostraram que menos pessoas privadas de liberdade significaria menos tuberculose até 2034o que sugere que políticas de redução no encarceramento poderiam ter um impacto positivo na saúde pública.
Metodologia do estudo
Os pesquisadores realizaram um cenário imaginário sobre qual a quantidade de pessoas privadas de liberdade de ter mantido a mesma de 1990, e compararam com a situação real, em que houve o crescimento do número de encarcerados. Segundo o estudo, a comparação mostrou que quanto mais gente presencia, maior o número de casos de tuberculose.
Uma pesquisa analisou qual porcentagem da tuberculose está relacionada ao encarceramento, principalmente em pessoas com 15 anos ou mais. Foram feitos cálculos para ver o que aconteceria se o número de pessoas privadas de liberdade fosse gradualmente limitado ao longo dos anos, simulando um cenário em que, até 2009, o encarceramento fosse zerado. Após 10 anos sem novas prisões, os pesquisadores calcularam quantos casos de tuberculose ainda aconteceriam em 2019.
As estimativas do estudo foram comparadas com os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), que mostram os cinco maiores fatores de risco para tuberculose: desnutrição, HIV, alcoolismotabagismo e diabetes. Embora esses fatores variem por idade e possam se sobrepor, uma pesquisa destaca que a população carcerária é um fator de risco muito importante.
Além disso, a metodologia estipula os locais onde ocorre excesso de casos e compara os resultados com estimativas baseadas em notificações nas prisões. Em seis países com diversos contextos carcerários, o estudo sobre a distribuição e os determinantes dos problemas de saúde, as orientações e os processos associados mostram que a privação de liberdade é um dos principais fatores de risco da tuberculose.
De acordo com o estudo, o verdadeiro impacto da privação de liberdade na epidemia de tuberculose em toda a região tem sido subestimado. A análise constatou, ainda, que as medidas que visam a privação de liberdade podem ter efeitos sobre a epidemia mais ampla de tuberculose na América Latina – muito maiores do que selecionado anteriormente.
Os pesquisadores destacam que essas intervenções não devem incluir apenas estratégias para reduzir o risco de tuberculose entre indivíduos atualmente e anteriormente na privação de liberdade, mas também exercícios para acabar com a privação de liberdade em massa.
*Com informações da Agência Fiocruz
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