Em 20 de janeiro de 2021, Kamala Harris se tornou a primeira mulher negra e descendente de asiáticos a assumir o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos.
Na época, a excitação pelo que esse marco representava foi grande, mas a figura de Kamala foi apagada durante os anos do governo Joe Biden. Seu período na Casa Branca, que ainda não acabou, foi marcado por temas espinhosos como imigração e aborto.
Após a resistência de Biden, Kamala tenta agora chegar ao posto mais alto da Casa Branca.
Relembre os principais momentos da vice-presidência de Kamala Harris:
Protagonista na campanha, coadjuvante no governo
Ao escolher Kamala Harris como companheira de chapa, Joe Biden marcou a história dos Estados Unidos.
Kamala é a terceira mulher a ser escolhida para compor uma chapa presidencial na história do país, além de ser a primeira mulher negra e filha de dois imigrantes.
A seleção de Kamala foi vista na época como um símbolo de mudança para a política americana.
A trajetória da democracia, inclusive, é vista como não tradicional e relembra o caminho traçado pelo ex-presidente dos EUA Barack Obama.
“O caso de Kamala Harris é, no entanto, peculiar. (…) Harris foi uma senadora de primeiro mandato da Califórnia com pouca experiência em Washington DC antes de ser eleita vice-presidente. Jamais foi um líder nacional de seu partido. Tal trajetória lembra a de Barack Obama, jovem senador de Illinois e candidato presidencial vitorioso em 2008”, destaca Lucas de Souza Martins, professor da Temple University.
Essa excitação se perpetuou durante toda a campanha presidencial. O vídeo em que Kamala disse: “Nós conseguimos, Joe” rodou o mundo e marcou o dia em que Joe Biden venceu as eleições.
Por causa da idade avançada de Biden, que na época tinha 77 anos, muitos viam Kamala como uma sucessora natural no Partido Democrata.
Mas, todo esse entusiasmo e brilho foram apagados logo nos primeiros meses do governo Biden.
Priscila Caneparo, doutora em Direito Internacional e professora da Universidade Católica de Brasília e da Universidade Ambra explica que tradicionalmente o vice-presidente dos EUA assume uma posição de bastidor.
“O vice-presidente fica sim ofuscado pela figura do presidente. Tanto é verdade que a gente tende a não lembrar dos vice-presidentes pós-campanha. (…) A Kamala ficou com alguns temas muito problemáticos e que não tem solução. Por exemplo, a fronteira sul dos EUA. Dizem que ela foi um pouco energética, mas não tem como ela ser mais energética, pois na figura dela está ofuscada pelo presidente”, disse Caneparo.
A questão da imigração, que será detalhadamente detalhada, foi o calcanhar de aquiles de Kamala.
Em 2021, Kamala foi questionada por Lester Holt, da NBC, por que ela não visitou a fronteira entre os EUA e o México, enquanto lidava com a crise. O vice-presidente declarou dificuldade em responder ao questionamento e acabou dizendo que não visitou a Europa enquanto estava no cargo.
A entrevista gerou duras críticas a Kamala e segundo observado pelo analista de Internacional da CNN Brasil, Lourival Sant’Anna, o vice-presidente acabou se recolhendo e sumindo dos holofotes.
Para Martins, a pouca exposição pode ser um problema, mas também uma virtude para a candidatura: “Harris naturalmente sofre pela tradicional pouca exposição midiática de vice-presidentes. Por outro lado, ela se beneficia por representar um fator de novidade na política americana em um cenário de cansaço na aposta em figuras já carimbadas”.
“Czar” da fronteira
Uma das primeiras missões que Joe Biden deu a Kamala Harris a resolução do problema de imigração. O pedido veio depois que o número de travessias disparou, reflexo das medidas anti-imigração aplicadas durante o governo de Donald Trump.
Segundo dados da Agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA de 2021, 173.348 migrantes foram detidos ao tentar cruzar a fronteira sem documentos, o maior número em 20 anos.
A primeira viagem internacional que Kamala fez no carregamento foi para a Guatemala e para o México. A visita buscava tentar conter o fluxo migratório dos países do chamado Triângulo Norte da América Central – composto pela Guatemala, El Salvador e Honduras – para a fronteira sul dos Estados Unidos com o México.
Entre as medidas anunciadas, houve o investimento de bilhões de dólares nos setores privados desses países que tiveram o maior êxodo de pessoas para os Estados Unidos. Os incentivos eram destinados às empresas, com o objetivo de gerar mais empregos e mudanças a longo prazo.
Com isso, o governo Biden buscou combater os fatores que forçam as pessoas a se dirigirem para os EUA, como a insegurança alimentar, as mudanças climáticas, os desastres naturais e a violência.
O projeto, no entanto, não teve sucesso e 2023 marcou um dos últimos anos para a crise na fronteira. Segundo o Departamento Nacional de Segurança dos EUA, 8.600 pessoas cruzaram a fronteira em apenas um dia em setembro do ano passado.
Os registros geraram críticas duras ao governo Biden e principalmente a Kamala Harris.
“Qualquer questão que gere uma crise migratória na fronteira vai sim impactar as eleições. Dizem que ela poderia ter feito mais em relação aos americanos que se posicionaram de uma forma mais conservadora e contrária às imigrações. Quando olhamos os progressistas, dizem que ela foi muito dura com as pessoas que chegaram aos Estados Unidos”, afirma Caneparo.
Os republicanos, inclusive Donald Trump, chegaram a chamar Kamala de “Czar da fronteira”. O termo “Czar” é utilizado na política americana para chamar alguém que estava incumbido pelo presidente para resolver determinado assunto.
A oposição tentou responsabilizar Kamala pelo alto fluxo de imigrantes que entram no país e culpa a democracia pela crise na segurança.
“A narrativa republicana que vincula a imigração com a questão da violência nas cidades parece ecoar no americano residente dos subúrbios, regiões e bairros tradicionalmente mais ricos no país. Para quem busca soluções imediatas para estes dois temas, Harris não surge como alguém capaz de oferecer políticas imediatas para conter tais tendências. Neste ponto, a oposição leva vantagem”, afirma Martins.
Em seus eventos de campanha, Kamala Harris tem enfatizado a importância de uma abordagem que equilibra a segurança na fronteira e o atendimento de imigrantes indocumentados que já residem nos Estados Unidos.
Kamala ataca Donald Trump ao dizer que ele travou um projeto bipartidário de imigração no Congresso, simplesmente pelo fato de que o sucesso da medida seria prejudicial para a campanha do republicano.
Kamala visita centro de aborto
Depois que a Suprema Corte dos Estados Unidos suspendeu a decisão conhecida como Roe vs Wade, que garantia o direito ao aborto em nível nacional, Kamala Harris lançou uma campanha chamada “Fight for Reproductive Freedoms” (“Lute pelos Direitos Reprodutivos”, na tradução livre para o português).
Após as sucessivas críticas em relação à imigração, Kamala assumiu um papel de protagonismo na defesa da saúde da mulher.
A democrata foi o primeiro vice-presidente dos Estados Unidos a visitar uma clínica de aborto. “A razão pela qual estou aqui é porque esta é uma crise de saúde”, disse Kamala na agenda da clínica Planned Parenthood em Minnesota.
No início do ano, o democrata fez uma turnê para tratar do assunto por estados considerados decisivos nas eleições presidenciais. O objetivo era mobilizar as considerações moderadas. Na época, Kamala ainda era pré-candidata à vice-presidência na chapa de Joe Biden.
Para Caneparo, no entanto, a posição de Kamala em relação ao aborto não irá, hoje, impactar diretamente o eleitor e principalmente o eleitor indeciso.
“Não acredito que ela ter visitado um centro de aborto vai impactar o eleitor indeciso. O eleitor indeciso tende a ser impactado por perspectivas econômicas e crises reais, como é o caso da fronteira sul, do que efetivamente faz o aborto”, disse Caneparo.
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