A dentista formada em 2018 Evelyn Gregio compartilhou em sua conta do TikTok que começou a realizar trabalhos de delivery para conseguir pagar as contas, após calotes das clínicas odontológicas e mercado de trabalho saturado. A situação é curiosa, mas não incomum no Brasil.
Em entrevista à CNN, Evelyn, conhecida na rede social como “a dentista que faz iFood”, compartilhou que ainda trabalha em um consultório odontológico popular de segunda a sábado, das 9h às 18h, e ganha R$ 100 por dia sem contrato, “no boca a boca”.
Enquanto no período das 19h às 22h30, de segunda a segunda, é motogirl e consegue faturar R$ 120 por jornada.
No mês, a diferença de salários que cada um lhe proporciona é gritante — quase R$ 1 mil.
“Fiz faculdade. Ganhei o diploma, mas virei motoboy. Diploma não compra nada de riqueza”, diz ela em um dos vídeo compartilhado na plataforma.
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Ela iniciou na área da odontologia há 5 anos como estagiária, auxiliando um cirurgião bucomaxilofacial, e passou por diversas clínicas populares.
Mesmo assim, o valor pago pelo seu serviço não compensa as horas trabalhadas, nem o custo de deslocamento e materiais necessários para o atendimento, que também saem do seu bolso, relatou Evelyn.
“Eu percebi que está muito saturada a área da odonto, está muito complicado”.
“Acho péssimo esse estilo de trabalho. É como se fosse um sub emprego fora do país, como essas pessoas que vão embora e trabalham na área de faxina por 12 ou 15 horas por dia e só recebe aquele determinado valor e não tem direito a nada. Estou praticamente trabalhando dessa forma no Brasil, onde nasci”, diz a dentista e motogirl à CNN.
Essa é a realidade de muitos dentistas atualmente, que passam por longas jornadas de trabalho em situações precárias.
Nas redes sociais, contas e grupos chamados de “Furada Odonto” relatam os casos de cada região do país e criam uma rede jurídica de apoio a fim de melhorar o mercado de trabalho da área e alertar a população.
Em uma das publicações, um profissional denuncia uma franquia de odontologia, relatando que os materiais eram reutilizados em diversas cirurgias, muitos nem mesmo são esterilizados e os locais não possuem higiene.
“Dentista tendo que implorar para receber, e quando recebia era parcialmente”, contou em anonimato.
Elaine Sales, advogada especialista em direito médico e da saúde, é a administradora da página “furadaodontosp”, de São Paulo, no Instagram. À CNN, Sales diz que a “pejotização” é o tipo de fraude que mais chega ao seu consultório.
“Nada mais é do que fraude trabalhista. É aquele empresário que contrata o cirurgião dentista sob a guarida da pessoa jurídica e, na verdade, imprime ao cirurgião dentista uma carga de trabalho como se esse cirurgião estivesse sob a égide da consolidação das leis do trabalho (CLT)”, explica.
Evelyn Gregio ainda explicou que as clínicas populares, as quais possuem diversas unidades franqueadas, acabam por destruir os consultórios particulares ao atender a população em cerca de 20 minutos com preços mais baixos.
Na bio da sua conta no TikTok ela escreve “Em busca do sonho americano”, já que sonha um dia em sair do Brasil.
“Tirei meu visto americano e pretendo, se Deus quiser, ir embora”, seja para trabalhar com faxina ou continuar na área das entregas.
Ela ainda ressalta que o motivo de virar motogirl não foi por falta de vontade e que já conheceu advogados, professores e engenheiros na mesma função.
“Às vezes a pessoa tem vergonha de falar que é formada, porque lutou tanto por aquilo”, diz. “Não é falta de força de vontade, porque realmente tá difícil, mas as pessoas têm que seguir os sonhos delas”.
Sales argumenta que muitos profissionais na área da saúde não denunciam na Justiça as violações dos seus direitos por medo de serem marcados e não encontrarem recolocação.
“Se todas às vezes que aquele cirurgião dentista sofrer qualquer tipo de excesso procurar o Poder Judiciário, seguramente o comportamento dos grandes empresários, das grandes ‘clínicas pop’, vai mudar”.
*Sob supervisão de Gabriel Bosa
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