Estudos científicos dos últimos dez anos apontam para educação como o melhor caminho para a maior inserção de pessoas com autismo nos espaços sociais e, consequentemente, para o aumento de sua qualidade de vida.
Hum levantamento feito pela CNN com o auxílio da ferramenta Google Pinpointcom base em dez estudos científicos publicados em periódicos brasileiros, mostrou o avanço da pesquisa sobre o autismo no Brasil.
Com o uso da ferramenta, foi possível identificar os principais fatores dos estudos desenvolvidos com dois recortes temporais, com cinco deles sendo entre os anos 2000 e 2014 e os outros de 2014 até 2024. O especializado para selecionar os materiais acadêmicos por meio do Google Acadêmico foi pelo número de instruções em outros projetos da área.
Palavras-chave dentre os principais estudos mais antigos foram: comunicação, desenvolvimento, interação social, tratamento, diagnóstico, prognóstico, apoio, suporte, habilidades sociais, terapia, pesquisa e intervenção.
Em comparação com os novos estudos, pontos como interação social, suporte familiar e relações familiares perduraram como tema de atenção nas pesquisas. Já as novas pesquisas também indicam o direcionamento para a educação como meio de inserção de pessoas autistas, além de abordar os desafios da inclusão nas escolas.
Existem no Brasil, atualmente, 36 mil alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA), segundos dados oficiais do Censo Escolar 2023publicado em fevereiro de 2024. De acordo com o estudo, o número de matrículas de pessoas com autismo no país teve um aumento de 48% de 2022 para 2023. Apesar do número maior, pessoas com TEA ainda enfrentam barreiras de inclusão no âmbito escolar .
Em conversa com especialistas, a CNN buscou entender mais sobre como a educação pode ser um meio para a melhoria da qualidade de vida e uma ferramenta importante na inclusão de autistas, como apontado em artigos recentes sobre o assunto.
O jornalista e professor universitário Ton Felix, que tem Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e leciona para jovens neurodivergentes, afirma que o tema da inclusão e apoio aos estudantes tem sido discutido de forma lenta nas universidades, mas que a conscientização e O aprendizado sobre pessoas com autismo está sendo inserido, como apontam os estudos analíticos.
“Muitas universidades, de diferentes áreas, promovem debates, palestras e eventos relacionados à educação inclusiva de pessoas com dislexia, TDAH, TEA e outras condições neurodivergentes. As instituições de ensino também estão oferecendo recursos sobre o assunto e serviços de apoio específicos para atender às necessidades de uma pequena parcela desses alunos, como salas de estudo silenciosas, programas de tutoria individualizada, tecnologias de assistência e acesso a profissionais especializados em educação exclusiva inclusiva”, diz o profissional.
“Os principais desafios que uma pessoa com autismo pode enfrentar ao longo da vida são as dificuldades nas interações sociais e no relacionamento interpessoal, dificuldade na comunicação, sensibilidade sensorial, estigma e preconceito no ambiente escolar e no mercado de trabalho”, destaca Antônio Geraldo, diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), à CNN.
Dificuldade de socialização de pessoas autistas
Segundo os especialistas, o fato de as pessoas com TEA demonstrarem dificuldades na socialização nos ambientes pode tornar as relações nas escolas e na própria casa mais complexas.
O CHÁ é um distúrbio que se caracteriza pela alteração das funções do neurodesenvolvimento, interferindo assim na capacidade de comunicação, linguagem e traços comportamentais do indivíduo. Apesar disso, um diagnóstico precoce pode reduzir os desafios que as pessoas podem enfrentar para se integrarem à sociedade e, principalmente, adquirirem maior qualidade de vida. Segundo os profissionais ouvidos, já se pode identificar o transtorno a partir dos 2 anos de idade.
“Nós temos uma criança com baixo contato visual, que é característica de pessoas com autismo”, descreve Alinne Belo, neuropediatra no centro clínico do Complexo Órion. “É uma criança que a gente chama por ela, e ela dificilmente responde. Muitas vezes, a reclamação é de que ela não está nem ouvindo o que você está falando.”
“Elas também apresentam baixo interesse em socializar com os pares, ou seja, crianças da mesma idade. É até comum que eles interajam melhor com crianças mais velhas ou adultos”, continua.
“É uma criança que busca um pouco o outro para se comunicar, busca tanto os pais, os cuidadores, quanto potenciais colegas. Ela fica irritada e chorosa, porque ela não consegue dizer o que quer. Então, é uma pobreza, uma limitação de linguagem e comunicação”, complementa Aline.
“É fato que o transtorno afeta não só o paciente, mas também os familiares e pessoas de seu convívio. Algumas famílias sentem um impacto emocional ao lidar com os desafios únicos que o diagnóstico de autismo pode trazer, como justamente às dificuldades de comunicação. Essas particularidades podem gerar impactos na rotina familiar, além de exigir mais tempo e recursos para cuidar do membro da família com autismo”, pontua o psiquiatra Antônio Geraldo.
Educação como caminho da inclusão e maior qualidade de vida
O jornalista e professor Ton Felix afirma que, ao longo de sua trajetória, enxergou os resultados positivos de que a educação tem na maior inclusão de pessoas com TEA, e que deve ser uma ferramenta para melhoria na qualidade de vida de autistas em todo e em qualquer espaço social.
“A inclusão de uma pessoa com autismo começa na sala de aula, onde todas as crianças e jovens têm a oportunidade de aprender juntos, respeitar e compreender as diferenças”, diz ele. “Falar de neurodivergência no contexto educacional é relativamente novo, mas está ganhando cada vez mais espaço para ser planejado e focado em escolas e faculdades.”
Segundo ele, no entanto, as principais barreiras para que isso seja eficaz incluem a falta de profissionais específicos que compreendem e sabem lidar com as necessidades dos alunos neurodivergentes, além da insuficiência de recursos e infraestrutura adequada.
“Muitas escolas e universidades ainda não possuem programas de apoio especializados ou acessibilidade física e tecnológica. A falta de conscientização e formação contínua para educadores também é um desafio, pois muitos não estão preparados para implementar práticas inclusivas de forma eficaz”, ressalta o profissional.
Para isso, é necessário criar mais políticas educacionais que incentivem a inclusão e disponibilizem para a implementação de programas de apoio. Além disso, é crucial promover a conscientização e a sensibilização sobre a neurodivergência em todos os níveis educacionais. “A criação de um ambiente acolhedor e inclusivo depende de um esforço conjunto de toda a comunidade escolar, incluindo pais, professores, alunos e gestores”, afirma Felix.
“É necessário que os educadores sejam capacitados para identificar e apoiar as necessidades específicas dos alunos autistas, criando um ambiente acolhedor e acessível. A educação inclusiva não beneficia apenas os alunos autistas, mas também enriquece o aprendizado de todos, promovendo empatia, respeito e colaboração”, complementa.
Segundo o professor, o ideal é que todos tenham um “olhar treinado” para identificar as necessidades específicas de cada aluno autista e oferecer suporte personalizado. Autistas geralmente têm baixo rendimento em determinadas questões ou tarefas, podem apresentar trabalhos escritos abaixo do padrão esperado e serem desorganizados ou “difíceis” de lidar. Por outro lado, esses mesmos alunos podem ser muito talentosos.
Para atender às necessidades desses alunos, é fundamental ainda contar com uma equipe multidisciplinar que possa oferecer o suporte necessário. Isso incluiria psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e outros profissionais especializados.
“Infelizmente, nem sempre é fácil montar essa equipe, especialmente em determinadas regiões do país onde o tema ainda é pouco conhecido e os recursos são escassos”, explica. “No ensino básico, essa carência é ainda mais evidente, pois muitos aspectos da educação, incluindo a inclusão de alunos neurodivergentes, ainda são precários.”
“Portanto, embora não haja uma separação formal, há uma necessidade urgente de capacitar profissionais e melhorar a infraestrutura educacional para oferecer um ensino verdadeiramente inclusivo”, continua o professor.
A partir de sua experiência, Felix aponta ainda atenção de não “separar” crianças autistas das outras. “A inclusão, o observar o outro com adaptações e suportes necessários é o caminho para uma educação mais justa e equitativa para alunos autistas.”
“Um professor de apoio pode ajudar o aluno com práticas como: melhorar sua leitura da linguagem corporal, ensinar significados implícitos e inferidos, aprender a entender expressões, metáforas e significados, interpretar o significado das perguntas, ajudar com o conteúdo e na preparação para provas e revisão da matéria faz toda diferença”, sugere.
A educação serve ainda para além das escolas, é necessário estar presente nos consultórios médicos e na família da pessoa com TEA, de acordo com o profissional.
“Tudo isso pode mudar através da informação, do conhecimento”, ressalta Alinne Belo. “Isso precisa ser falado desde a infância. É fundamental para a saúde das crianças que as escolas estejam cada vez mais informadas, preparadas para incluir essas crianças. Elas precisam conviver bem no ambiente e serem acolhidas.”
“Assim que o diagnóstico de TEA for fechado, as crianças precisam de uma atenção de todos os envolvidos. É importante que os pais entendam seu transtorno. Elas não, por exemplo, serem expostas às telas antes de dois anos e a partir dessa idade só por uma hora. Essa pessoa tem que ter um ambiente acolhedor, alguém que brinque, que a estimule de acordo com suas necessidades”, ressalta Liubiana Arantes de Araújo, presidente do Departamento de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Erasmo Casella, neurologista pediátrico e membro da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil, destaca que, muitas vezes, no consultório, os pais e responsáveis entram em estado de “negação”.
“Eles estão muitas vezes negando a situação. Você, tendo certeza do diagnóstico, tem que procurar o que eles estão envolvidos e iniciar o tratamento conjunto o mais rápido possível. É importante que essas pessoas se reconheçam e comecem a trabalhar com as crianças o quanto antes”, fala.
Para isso, os médicos ainda precisam ser capacitados para orientar os pais e/ou responsáveis. “No início, a família pode enfrentar dificuldades em conseguir estimulação adequada, o mais importante é o treinamento de pais para que essa criança seja estimulada da forma que deve ser”, acrescenta.
“As pessoas precisam de um olhar para quais são as necessidades e habilidades que devem ser respeitadas e estimuladas para que uma pessoa com autismo seja feliz, alcance seu potencial. Muitas pessoas com autismo têm dons maravilhosos e podem colaborar muito com a sociedade”, aponta Liubliana.
Os profissionais ainda ressaltam a necessidade do incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento de novos métodos de ensino que atendam às necessidades específicas dos alunos autistas, “permitindo assim, a realização de pesquisas mais profundas e a obtenção de dados mais precisos sobre essas e outras questões neurodivergentes” , diz o professor Félix.
“Buscar práticas com base em evidências científicas e aplicar a neurociência com afeto é fundamental”, completa Liubliana.
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